sábado, 22 de janeiro de 2011

NA REDE, DE PAPO PRO AR

Salve Zé:

Em paz?

Pois então, as coisas estão se ajeitando, parece, e a tristeza que a chuvarada trouxe começa dar lugar àquele vago sentimento de que nem tudo está perdido. O que preocupa, ao menos a mim, é que isso costuma ser o reinício daquele otimismo ufanista e exagerado que diz que o Brasil é o melhor lugar do mundo, que o brasileiro é o melhor povo do mundo, que somos solidários como ninguém, que somos criativos como ninguém e blá blá blá...

A internet, outra vez, teve um papel relativamente importante, primeiro na divulgação dos acontecimentos e depois na organização dos grupos de ajuda. Há quem veja nisso a prova de que a internet é aglutinadora no sentido humano da palavra. Eu não vejo assim. Acho que usar a internet como ferramenta de solidariedade é apenas exemplo da força de nossa natureza gregária. Assim, damos à internet um aspecto que não lhe é natural ou original. Aconteceu agora, durante essa tragédia, e aconteceram já outras inúmeras vezes, pelo planeta afora. Minha dúvida é se conseguiremos agregar esse valor à internet ou se, com o passar do tempo, a natureza dela é que vai se impor. Tentando pensar no que é essa rede, hoje, ela parece ter duas grandes vertentes: a conexão de pessoas em redes sociais e a divulgação da maior quantidade possível de informações numa velocidade jamais imaginada, mas que, ainda assim, tende a ser superada cotidianamente. Estamos lidando, portanto, com a possibilidade potencial de estarmos conectados a todos os outros seres humanos, ao mesmo tempo em que estaremos a par de todos os fatos com atualizações incessantes e instantâneas. Mas há duas condições pra isso: em troca da múltipla conexão virtual nos é exigido o isolamento completo no mundo físico; em troca de todas as informações do mundo, damos todo o tempo que temos disponível, inclusive aquele que nos serviria para refletir sobre as informações recebidas e chegar a alguma conclusão própria, original. Essas duas condições perversas revelam a verdadeira perspectiva que um futuro digital pode nos reservar: a solidão de um terminal, ou de um monitor, e a forma mais sádica de alienação, aquela que advirá não da falta, mas do absurdo excesso de informações!!!

Outro dia assisti a um filme com o Walken, meio comédia, meio science fiction, chamado Click. Na verdade, o protagonista é um outro ator, um meio chato cujo nome me escapa e que ganhou minha antipatia eterna quando fez um péssimo remake de “O galante Mr. Deeds”. A história gira em torno de um controle remoto que dá a seu dono o poder de “pular” os momentos chatos da vida. Claro que o controle sai do controle e o sujeito acaba simplesmente não vivendo. Da última vez que estive Sampa, saí de lá com a sensação que o fone de ouvido já cumpre, e bem (!?!?) a função do controle remoto do filme. O fato é que, num vagão de metrô, por exemplo, ninguém conversa ou olha pra lá ou pra cá: tá todo mundo com os fones enfiados na orelha, como se aquela locomoção de um ponto a outro da cidade simplesmente não existisse, sacou? Eles “pulam”, sempre que podem, os momentos chatos ou de intervalos entre as coisas “impuláveis”. E fazem isso ouvindo música, pois é, Zé, aquilo que era o maior e melhor motivo que a gente sempre teve pra reunir os amigos, agora virou prazer solitário !!! Sim, claro, é óbvio que já tem gente organizando rave em que o sujeito entra, bota os fones, escolhe o dj entre as opções disponíveis e sai dançando na festa-do-eu-sozinho !!! A impressão é que aquele isolamento compulsório, aquele que a gente aceita de bom grado pra poder estar com nossos amigos de facebook ou de twitter ou de orkut ou mesmo de e-mail, tá virando um padrão de comportamento, principalmente na meninada. Ás vezes acho que eles só interagem na vida real porque ainda são obrigados, mas que por eles estariam sós com seus fones, seus joysticks, seus monitores, seus players de áudio e vídeo ... Mas não é só o isolamento da internet que a meninada está levando pro metrô não, a alienação da multi-informação também está lá, viva, ativa. Sim, porque ou eles estão cumprindo alguma tarefa não muito apaixonante, no trabalho ou na escola, ou eles estão isolados ouvindo ou lendo ou vendo mil coisas ao mesmo tempo. Por isso, tenho o direito de perguntar: e eles pensam quando ?????????????? A resposta que me ocorre é curta: nunca !!! E não vá me interpretar mal: nada disso é exclusividade da juventude, viu? Ao contrário, tem cada vez mais “inclusão digital” entre as hostes da “terceira idade” (pois estão aí duas coisas que estão na moda: inclusão digital e terceira idade !!! rsrsrsrsrs). Por isso tudo é que temo que chegue o dia em que nem mesmo as tragédias nos aproximem do novo e que a natureza da internet se sobreponha à nossa.

Bom, Zé, por hoje é isso. Ia te contar uma porção de novidades mas fica pra próxima, enveredei por essa conversa de internet e acabei ficando sem tempo pra escrever mais. Saudade!!

Valeu

Alexandre

2 comentários:

  1. Euqueria explicar pro Zé que a internet era uma zona e o que ele falou sobre as redes sociais que era uma internet dentroa outra- apesar dele não gostar - é realmente isso. Só que não é ruim, isso organiza a coisa, vai compartimentando

    ResponderExcluir
  2. Caro Alexandre:
    Comovente forma de manter o Mestre entre nós. Afinal ele deixou marcas até mesmo em quem não mereceu a graça de sua esfuziante e afável presença física. Como eu. Que ele te seja inspirador de lá do assento etéreo, de onde espero que esteja muito à vontade e fazendo das suas.
    E sucesso no empreendimento!
    Precisamos nos ver por aí...
    Um M-Abraço!

    ResponderExcluir